O Brasil é reconhecido no mundo pelos seus programas de combate à pobreza. A consolidação do Programa Bolsa Família (PBF) em 2004, a partir de outros programas, é um caso de sucesso. Apesar disso, quase duas décadas se passaram e a economia passou por profundas transformações. Será que o programa é suficiente para integrar quem precisa no mercado de trabalho e ajudá-las a superar a pobreza hoje?
Vamos aos dados: o programa conseguiu possibilitar mobilidade social para uma parcela de seus beneficiários. Em 2019, 64% dos beneficiados no começo do programa não estavam mais registrados no cadastro único, de acordo com uma pesquisa de Valdemar Neto e Vinícius Schuabb. Além disso, 45% desses conseguiram um emprego formal entre 2015 e 2019. O estudo também nota que a qualidade dos empregos dessas pessoas melhorou em comparação com aqueles que não receberam o Bolsa Família. Entretanto, o estudo também destaca diferenças regionais no Brasil, com o Nordeste apresentando menor mobilidade, indicando que também são relevantes outros elementos ligados à qualidade dos serviços de educação e saúde, além do mercado de trabalho.
O programa parece ter funcionado no passado, mas e para as gerações atuais e futuras? Não temos visto na sociedade, nem no governo grandes iniciativas para melhoria do programa voltadas para superação da pobreza. Mudanças são necessárias e urgentes se quisermos ter real superação da pobreza, não apenas o alívio imediato.
Como demonstra a economista, o desenho atual do Bolsa Família coloca uma dificuldade para a emancipação. Por exemplo, quando uma mãe consegue um emprego de meio salário mínimo e declara corretamente a sua renda, torna-se inelegível e perde os R$ 750 do benefício de uma única vez. Corrigir esse desincentivo é crucial, não apenas para evitar que as famílias evitem declarar seus rendimentos corretamente, mas também para reverter o afastamento do mercado de trabalho.
Simples ajustes no programa podem resolver esse problema, sendo crucial considerar a magnitude dos recursos públicos perdidos. Com base nos critérios atuais, erradicar a pobreza exigiria R$ 72 bilhões anuais, enquanto o governo tem disponível R$ 175 bilhões para 2023, mais que o dobro do necessário se tivéssemos uma focalização que atingisse todos os que precisam do auxílio.
Entretanto, essa focalização perfeita, por sua vez, é dificultada pelo desincentivo à correta declaração de renda. Uma solução eficaz e de baixo custo para reduzir a pobreza é incentivar a declaração correta e melhorar a focalização, como evidenciado pela correlação entre dobrar os recursos do Bolsa Família e melhorar a focalização em 35%.
Para além de um programa de alívio de extrema pobreza, a ideia é que o governo ajuste os programas sociais de modo a identificar as causas da pobreza e como facilitar a inclusão produtiva. Um caminho é complementar a renda que a família já recebe até atingir a linha de pobreza, evitando perdas quando o beneficiário alcançasse autonomia. Além disso, o governo poderia incentivar a geração de renda, complementando o valor até os R$ 750 e adicionando um bônus pela inclusão produtiva quando a família aceita um emprego, mantendo o vínculo com o mercado de trabalho e estimulando a correta declaração de renda.
Segundo a economista, essas medidas teriam um impacto significativo na redução da pobreza e da desigualdade, além de gerar uma economia de cerca de R$ 150 bilhões em dez anos, que poderiam ser investidos em outras áreas prioritárias, como saúde, educação básica e programas de qualificação profissional. Essa estratégia estaria alinhada com a integração ao mercado de trabalho, cada vez mais demandando pessoas qualificadas e conectadas com as mudanças tecnológicas.
Portanto, é possível afirmar que o governo federal poderia estar mais focado na superação da pobreza pensando na nova economia e melhorando o desenho do Bolsa Família, adequando-o para os desafios da década atual. Políticas públicas bem pensadas e executadas são essenciais para garantir a dignidade, a cidadania e a inclusão dos milhões de brasileiros que ainda vivem em situação de privação e exclusão
Folha de S.Paulo