Lideranças evangélicas e católicas apresentaram nesta terça-feira (26)
pedido de impeachment de Jair Bolsonaro (sem partido) por crimes de
responsabilidade na condução da crise sanitária decorrente da pandemia
de Covid-19, no primeiro pedido protocolado por entidades religiosas
contra o presidente.
O pedido, se aceito, se somará a outros 61 já apresentados -destes, 56
ainda aguardam análise do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ),
que deixa o cargo em fevereiro.
Promovido pela Frente Ampla Cristã, o documento que pede o impeachment
de Bolsonaro é assinado por entidades como a Comissão Nacional Justiça e
Paz, ligada à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), pela
Aliança de Batistas do Brasil e pela Câmara Episcopal da Igreja
Anglicana do Brasil
A apresentação foi feita na tarde desta terça no Salão Nobre da Câmara
dos Deputados. "A motivação principal deste pedido está relacionada à
ausência total de iniciativas da parte do governo para diminuir os
impactos e conter os impactos da pandemia da Covid-19", disse a pastora
Romi Márcia Bencke, representante do Conic (Conselho Nacional de Igrejas
Cristãs no Brasil).
As entidades citaram o caos em Manaus e acusaram o governo de abandonar a
população. "Porque nós temos um governo que nega o direito à vida das
pessoas cristãs", disse Bencke, ressaltando que parte da base de
Bolsonaro é formada por cristãos conservadores.
Daniel Seidel, secretário-executivo da Comissão Brasileira de Justiça e
Paz da CNBB, também criticou a postura de Bolsonaro na pandemia. "Nós
consideramos realmente um crime de responsabilidade um presidente da
República desestimular as pessoas, os cidadãos e cidadãs brasileiros,
que não tomem vacina, e assim por diante, boicotando, tirando da
população as possibilidades."
Ele pediu aos deputados que levem a Maia ou ao sucessor do deputado do
DEM na presidência da Câmara o pedido de "clamor do povo brasileiro"
pelo impeachment de Bolsonaro.
"Por suas condutas e omissões na pandemia, Bolsonaro deixou de fazer o
que estava obrigado como presidente", afirma o texto, assinado por 380
pessoas que integram as entidades religiosas. "Deveria ter seguido as
recomendações científicas para conter a doença, ao invés de estimular o
desprezo pela vida."
O pedido defende que líderes religiosos tenham direito de "participar da
luta pela promoção e defesa dos direitos humanos e contra qualquer tipo
de opressão ou ação que tenha como resultado o adoecimento e a morte da
população".
"Os cidadãos e cidadãs religiosos/as que decidiram denunciar Jair
Bolsonaro por seus delitos acreditam que somente o seu afastamento e a
responsabilização jurídico-política de todos os representantes de seu
governo, que levam adiante as políticas destrutivas representadas pelo
seu projeto político, são capazes de recolocar o país nos trilhos da
observância e do predomínio da Constituição da República", continua o
texto.
As entidades acusam Bolsonaro de ter minimizado a pandemia e lembram que
o presidente já se referiu à Covid-19 como uma "gripezinha" e fez
campanhas contra o distanciamento social. "O menosprezo retórico e o
negacionismo por parte da mais alta autoridade pública do Estado
brasileiro é, por si só, extremamente grave, pois retardou o
reconhecimento da gravidade da situação no país e a adoção de medidas de
prevenção e cuidado, por parte de autoridades públicas e, também, da
sociedade", afirmam.
O agravamento da crise sanitária no país tem intensificado a pressão
para que Maia aceite um dos 56 pedidos de impeachment em análise na
Câmara. No último final de semana, o país registrou carreatas de grupos
da esquerda e da direita contra Bolsonaro.
O impeachment virou um dos principais temas da campanha à sucessão da
presidência da Câmara. O candidato de Bolsonaro na disputa, deputado
Arthur Lira (PP-AL), se recusa a debater o assunto antes do resultado da
eleição, que ocorrerá na próxima segunda-feira (1°).
Já seu principal adversário, Baleia Rossi (MDB-SP), nome de Maia na
disputa, assegura que analisará os pedidos de impeachment se eleito, mas
já indicou que não considera um "bom momento" para debater o tema.
Maia, que durante a maior parte do seu mandato afirmou não ver motivos
para dar encaminhamento aos pedidos de impeachment, subiu o tom
recentemente.
No último dia 15, indicou que o tema será "inevitável" no futuro. Ao
lado do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e de Baleia, Maia
afirmou que não deu seguimento aos pedidos porque decidiu priorizar a
pandemia.
"Qualquer decisão sobre impedimento hoje, com perdas de vidas, é nós
tirarmos o foco daquilo que é fundamental, que é tentar salvar o maior
número de vidas", disse o deputado do DEM.
Se o presidente da Câmara decidir abrir um processo nos últimos dias à
frente da Casa, seu sucessor teria de, obrigatoriamente, levar o caso
adiante a partir de fevereiro, quando os trabalhos do Legislativo serão
retomados.
Isso, no entanto, é improvável, pois Maia não quer ser tachado de oportunista antes de voltar ao plenário.
No entanto, ele também não pretende arquivar os pedidos, medida que o
tornaria ainda mais alvo dos críticos que insistem que ele tome uma
atitude mais dura contra Bolsonaro.
O presidente da Câmara é o responsável por analisar de forma monocrática
se dá ou não sequência aos pedidos de impeachment. Ele não tem prazo
para tomar essas decisões.
Caso seja dada sequência, o caso é analisado por uma comissão especial
e, depois, pelo plenário da Câmara. Somente com o voto de ao menos 342
dos 513 deputados é autorizado que o Senado abra o processo.
Nesse caso, Bolsonaro seria afastado até a conclusão do julgamento -ele
perderia o mandato caso pelo menos 54 dos 81 senadores votassem nesse
sentido.
O Brasil já teve dois episódios de impeachment baseados na lei que trata
do tema, de 1950: o de Fernando Collor, que renunciou em 1992 antes da
decisão final do Senado, e o de Dilma Rousseff, em 2016
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