Enquanto o governo tenta viabilizar o Auxílio Brasil e construir uma boa vitrine social para as eleições de 2022, outro projeto social que perpassa gestões entra para a disputa de paternidade na corrida presidencial: a transposição do Rio São Francisco. De olho no ativo político representado pela entrega de água a regiões secas do Nordeste, três dos principais candidatos ao Palácio do Planalto ? o presidente Jair Bolsonaro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-ministro Ciro Gomes ? tentam manter as digitais na megaobra de infraestrutura. A previsão, porém, é de que a obra só deve ser concluída em 2024. Ou seja, será uma herança para o próximo presidente.
Com a popularidade afetada pela crise econômica e pela pandemia de covid-19, Bolsonaro já colocou a máquina pública para trabalhar em prol da transposição. Em meados de outubro, criou a Jornada das Águas, roteiro de dez dias de inaugurações e anúncios de obras envolvendo mananciais e cursos d?água, principalmente na bacia do Rio São Francisco.
A estratégia do governo é fracionar os lançamentos e realizar o máximo de entregas até as eleições ? para ganhar o selo de garantidor da transposição tirada do papel por Lula e Ciro, que foi ministro da Integração Nacional do petista entre 2003 e 2006. O projeto de 477 quilômetros de extensão começou efetivamente em 2007. Com custo inicial de R$ 4,5 bilhões, a obra já está orçada em R$ 12 bilhões.
No mês passado, Bolsonaro participou do tour de inaugurações da Jornada das Águas, que passou por todos os Estados do Nordeste. Levou com ele o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, pré-candidato a senador do Rio Grande do Norte, e o titular da Cidadania, João Roma, pré-candidato a governador da Bahia. ?Estamos garantindo que o Velho Chico vai continuar com água suficiente para a transposição e atender nossos irmãos nordestinos?, afirmou Bolsonaro em São Roque de Minas, no norte de Minas Gerais, nascente do Rio.
O Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) informou que faltam apenas ?obras e serviços auxiliares e complementares? para a conclusão da transposição do São Francisco, prevista para 2024. ?Essas obras foram contratadas nas gestões anteriores, mas só receberam os recursos necessários no atual governo, cujo compromisso é justamente assegurar o acesso à água da população da região semiárida do Nordeste?, destacou a pasta, em nota enviada à reportagem. ?As obras do Projeto São Francisco passaram por diversas paralisações, em decorrência da ineficiência do processo de planejamento das gestões anteriores e denúncias de corrupção, que geraram atrasos e aumento no custo?.
Críticas
Do outro lado da polarização, o PT critica a postura do Executivo de encampar a conclusão da mudança de curso do São Francisco. Ao Estadão/Broadcast Político, o deputado José Guimarães (CE), vice-presidente do PT, disse que Bolsonaro ?faz festa com o chapéu alheio?.
?Inaugurar obra dos outros é fácil. Essa obra tem o DNA do Lula?, afirmou. Guimarães descarta uma queda de braço pela paternidade da transposição na corrida eleitoral. ?Não tem disputa, não vai para o colo do Ciro ou do Bolsonaro. Essa obra é do Lula, todo mundo sabe. Temer fez 8% e Bolsonaro só 2%, ele não tem que se meter?.
Como mostrou em junho o Projeto Comprova, que reúne jornalistas de 33 diferentes veículos de comunicação ? e do qual o Estadão faz parte -, Bolsonaro assumiu o governo com 90% da transposição concluída. A informação constava de uma publicação de 2018 do então Ministério da Integração Nacional, não mais disponível, mas recuperada através da ferramenta WayBack Machine.
Em mais um sinal de que a transposição está no radar de 2022, Ciro também usa o assunto para atirar em Bolsonaro e no PT, seu alvo preferencial em recentes movimentos políticos. ?Bolsonaro está se aproveitando de um fato: os governos Lula, Dilma e Temer atrasaram o cronograma de entrega das obras por diversas razões, inclusive corrupção. Por exemplo, Lula colocou no Ministério da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, aquele preso com as malas com R$ 51 milhões. Não tinha como dar certo?, disse o ex-ministro.
Ciro
O pré-candidato do PDT também ressaltou seu papel à frente da transposição. ?Tenho muito orgulho de ter concebido, projetado, enfrentado várias tentativas de desistência, licenciado, com extraordinária ajuda de Marina Silva, e iniciado a obra com a qual milhares de brasileiros, nordestinos, terão garantido o direito de acesso à água?, afirmou Ciro ao Estadão, por meio de nota.
O governo rejeita a tese de que esteja concluindo apenas a reta final da transposição, como dizem Ciro e o PT. ?Os porcentuais de execução das obras divulgados pelas gestões anteriores não representam a realidade, já que, em decorrência das longas paralisações e necessidade de reparos em diversas estruturas e trechos concluídos, houve regressão nesses porcentuais, necessidade de novos investimentos, bem como atrasos no término do empreendimento?, assinalou o MDR.
Ramal
Inaugurada por Bolsonaro em 21 de outubro como parte do programa Jornada das Águas, o Ramal do Agreste, em Pernambuco, obra que integra a transposição do Rio São Francisco, ainda não cumpriu sua missão: levar água à população local. Quase um mês após a cerimônia de entrega, que contou com a participação de ministros, deputados, e foi transmitida pela TV Brasil, o canal segue inoperante, com os governos estadual e federal jogando a culpa um no outro.
Em nota, a gestão pernambucana de Paulo Câmara (PSB) afirmou que a água do Ramal do Agreste não chegou às torneiras da população por um bloqueio orçamentário do Palácio do Planalto. ?Apesar dos R$ 161 milhões necessários para conclusão do sistema adutor terem sido colocados no orçamento do Ministério do Desenvolvimento Regional, o presidente Jair Bolsonaro vetou o repasse dos recursos ao Governo de Pernambuco, responsável por tocar a obra?, disse o governo estadual. ?Deixando bem claro: em 2021, a União não realizou nenhuma transferência de recursos e as adutoras que levariam a água do Ramal para os municípios não ficaram prontas?.
Procurado, o MDR afirmou que repassou R$ 47 milhões em 2021 não executados pelo governo estadual e está em tratativas para viabilizar novos repasses. A pasta observou, ainda, que Pernambuco priorizou outros trechos da transposição em vez das estruturas iniciais do empreendimento, como o trecho Ipojuca-Mimoso. ?Ou seja, começou a obra física do fim para o início. Caso o governo do Estado tivesse executado prioritariamente este trecho, com a conclusão do Ramal do Agreste, a água do Projeto São Francisco chegaria aos municípios contemplados?, argumentou o ministério. (Fonte: Estadão)