De um lado, prédios altos que beiram o céu. De outro, um morro que carrega em suas entranhas a essência dual entre o ufanismo popular e a fé. Foi em meio a uma paisagem que denuncia as contrariedades do Recife que centenas de fiéis compareceram na manhã desta terça-feira (8) ao Morro da Conceição, no bairro de Casa Amarela, Zona Norte do Recife, para celebrar o dia de Nossa Senhora da Conceição. Diferente do cenário, a comemoração este ano acontece em meio à pandemia da Covid-19, fator que resultou na presença reduzida do público em comparação aos anos anteriores.
Os fiéis que se fizeram presentes, no entanto, fizeram valer os ditos tradicionais de fé e adoração à santa imaculada. Acompanhada do esposo e do filho, Marisilda Lopes da Silva, 63, se deslocou até o local da festividade para pedir por sua irmã, que enfrenta um câncer. Ela frequenta a Festa do Morro há 15 anos e, junto aos familiares, lembrou de incluir o momento delicado que o mundo enfrenta em suas orações à santa.
"Estamos pedindo por paz, saúde e humanidade". Marisilda também foi cautelosa ao observar os cumprimentos das normas sanitárias pelos presentes. "Está todo mundo com cuidado. A máscara está como um documento para nós. Está mais vazia (a festa), mas estamos felizes porque o povo está mais consciente", relatou.
Ainda assim, longe dos fiscais de segurança, localizados em locais estratégicos e com grande possibilidade de aglomeração, como o santuário e seus arredores, a reportagem observou muitas pessoas fazendo o uso inadequado da máscara, com o equipamento de proteção arriado no queijo ou abaixo do nariz. Outras, ao saírem das proximidades do santuário, não se sentiram intimidadas com o novo coronavírus e retiraram a máscara por completo.
Frequentadora da celebração há 20 anos, essa foi a primeira vez que Josicleide se postou diante da imagem da santa e ergueu os braços aos céus sem a companhia da mãe, que faleceu em maio, aos 80 anos, com suspeita de Covid-19. Mesmo assim, ao lado da irmã e da sobrinha, a fiel resolveu visitar o santuário. "Eu cheguei a me amedrontar, mas quando vi tudo organizado, fiquei mais tranquila", contou.
Terço no pescoço, joelhos no chão, mãos e olhares direcionados aos céus. Foi assim que seu Pedro Paulo dos Santos, 60, subiu as escadarias do morro, em seu encontro anual com Nossa Senhora da Conceição. A peregrinação dele, contudo, que além de devoto da santa, é missionário da igreja católica, começou antes mesmo do primeiro passo ser dado no local sagrado, nesta terça.
Seu Paulo conta que normalmente todos os anos sai de casa ainda de madrugada para acompanhar o festejo. Este ano, porém, ele decidiu sair mais tarde, às 8h30, ainda se utilizando do habitual trajeto, já simbólico em seu imaginário todo dia 8 de dezembro: caminhando de Tejipió, bairro onde reside, até o Morro da Conceição, num percurso de aproximadamente duas horas e meia.
"Eu vim de Tejipió a pé, saí (de casa) de 8h30, e estou subindo as escadas de joelho. Todo ano eu subo, mas esse ano cheguei mais tarde, peguei o sol quente e senti dificuldade, ainda bem que apareceu uma filha de Deus e me emprestou uma sandália, porque eu estava com os joelhos queimando", comentou.
Apesar do contratempo, Paulo evitou lamentações."Mas eu não reclamo. Agredeço a Deus, porque o que estou fazendo não é para me exibir, é pedindo perdão pela humanidade, perdão pela falta de fé...", emendou.
Já conhecido nas escadarias do Morro da Conceição, o missionário relatou já ter alcançado diversas graças. Mas fez questão de exemplificar o pedido atendido em 2019, quando seu filho de 13 anos se encontrava em situação delicada de saúde.
"Eu tenho um filho de 13 anos que recentemente pegou uma bactéria, e ele foi hospitalizado, se operou. No pós cirurgia, o remédio não estava fazendo efeito. Eu pedi a Nossa Senhora que intercedesse. No outro dia, o remédio começou a fazer efeito. Tenho a presença de Nossa Senhora em minha vida 24 horas. Ela é minha mãe, advogada, intercessora. Em muitos lugares que estou em oração, eu sinto ela ao meu lado".