A Copa do Mundo do Catar 2022 faz refletir sobre outro mundial: o de 2014. Não sobre o desempenho da Seleção Canarinho, que não chegou à fase final em nenhum dos dois mundiais de futebol, mas sobre o legado da Copa sediada no Brasil há 8 anos. Na época, Recife foi escolhida como uma das 12 cidades-sede da Copa das Confederações (2013) e da Copa do Mundo (2014), mas o projeto extrapolou a capital pernambucana e se estendeu para a Região Metropolitana. A grande beneficiária do Mundial no Estado seria a cidade de São Lourenço da Mata.
O município, com mais de 100 mil habitantes na época, foi escolhido para abrigar a chamada Cidade da Copa. O projeto, com investimento superior a R$ 500 milhões, previa a construção do estádio Arena Pernambuco (como âncora), além de uma arena indoor, parques, centro de convenções, shopping center, campus universitário, torres de escritórios e 4,5 mil unidades habitacionais. Toda a Cidade da Copa orbitaria em torno do monumental estádio, com capacidade para 46 mil pessoas.
Anunciada como a primeira cidade inteligente da América Latina, a Cidade da Copa de São Lourenço da Mata seria inspirada na cidade de Minato Mirai, distrito de Yokohama, conhecida como a primeira cidade inteligente do Japão. A previsão era que o projeto dobrasse a população do município, agregando mais 100 mil habitantes.
Passados 8 anos, a Cidade da Copa não vingou. O projeto megalomaníaco não saiu da maquete. O que se vê no local é um estádio gigante cercado de mato por todos os lados. Nada de habitacionais, shopping, universidades ou qualquer outro empreendimento. Outros projetos imobiliários e empresariais implantados em função da promessa da Cidade da Copa estão incompletos e precisaram se reinventar para atrair clientes e se manter no mercado, como os restaurantes.
Organizadora e escritora do livro “Recife: Os impactos da Copa do Mundo de 2014”, Ana Maria Ramalho, destaca que o governo chegou a prospectar outros municípios para sediar a Cidade da Copa, mas se decidiu por São Lourenço por entender que os empreendimentos sempre iam para os litorais Norte e Sul e que esta seria uma oportunidade de desenvolver a Região Metropolitana Oeste. Além disso, o governo de Pernambuco dispunha de um terreno de 247 hectares na cidade para receber o projeto, sem precisar ter custo com desapropriações.
Inicialmente, o projeto da Cidade da Copa foi elaborado pelo Núcleo Técnico de Operações Urbanas/NTOU, ligado ao governo estadual. “Com o anúncio que o Governo Federal entraria com cerca de R$ 500 milhões para investimentos na Cidade da Copa, houve um súbito interesse da iniciativa privada em participar desse projeto, deixando toda a equipe técnica do NTOU afastada do processo e reformulando a ideia. A partir de então, o projeto da Cidade da Copa ficou sob a responsabilidade do grupo privado Consórcio Arena Pernambuco, constituído pela Odebrecht Investimentos em Infraestrutura Ltda. e Odebrecht Serviços de Engenharia e Construção S.A”, conta Ana Maria.
Os empreendedores prometiam que as pessoas teriam um “lugar para morar, trabalhar, aprender e se divertir”. Não foi o que aconteceu. A construção da Cidade da Copa aconteceria, gradativamente, até 2025, mas o único equipamento pronto é a Arena Pernambuco. Inaugurada em maio de 2013, ela custou R$ 479 milhões ao Estado. O valor do estádio foi contestado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) e o contrato foi alvo de investigação da Polícia Federal.
A gestão da Arena começou como uma parceria público-privada (PPP) com a Odebrecht, mas a empresa pulou fora do contrato porque a receita esperada nunca foi alcançada. Sem disposição para perder dinheiro, a Odebrecht (uma das maiores operadoras da operação Lava Jato) rompeu o contrato com o governo de Pernambuco em junho de 2016. Além de bancar o déficit do estádio, que não de paga, o governo ainda teve que arcar com o pagamento de uma indenização de R$ 246,8 milhões à Odebrecht.
A Arena continua gerando déficit e o governo tenta conceder o equipamento a outro empreendedor, mas não há interessados. Segundo o Portal da Transparência, o estádio arrecada cerca de R$ 220 mil por mês, enquanto o custo de manutenção é de R$ 690 mil por mês. No ano, o déficit chega a R$ 5,6 milhões, valor suficiente para custear mais da metade da reforma do Hospital da Restauração, por exemplo, estimada em R$ 9,1 milhões
Por Adriana Guarda/JC